No último semestre de 2024, um episódio nos Jogos Jurídicos, em 16 de novembro, chamou a atenção da mídia e da comunidade acadêmica. Durante a competição, alunos de Direito da PUC-SP gritaram ofensas racistas e aporofóbicas (ou seja, desprezo pelos pobres), contra os estudantes da USP. Entre os gritos da torcida havia frases como “cotistas”, “pobres” e “bolsistas”.
Infelizmente, essa situação não se limita apenas aos jogos universitários, mas reflete um cenário presente em diversos espaços elitizados do ensino superior. Para muitos jovens em situação de vulnerabilidade, as bolsas de estudo são a única forma de ingresso na universidade. No entanto, garantir uma vaga é apenas o primeiro obstáculo — os desafios continuam ao longo da jornada acadêmica.
O desafio antes mesmo da matrícula
O problema começa antes mesmo da matrícula. Faculdades renomadas oferecem poucas vagas para bolsistas e, mesmo quando há oportunidades, diversos empreendimentos surgem no caminho. Nicole (preferiu não ter o sobrenome divulgado), ex-aluna de um cursinho popular e hoje estudante da UNESP, relembra sua experiência.
Em 2023, ela foi aprovada no vestibular da PUC-SP para o curso dos seus sonhos: jornalismo. A família comemorou e logo começou a reunir os documentos necessários para a matrícula. No entanto, ao acessar o site da universidade, ela se deparou com uma exigência inesperada: era preciso pagar
3 mil reais para efetivar a inscrição.
Embora a PUC seja financiada pela organização filantrópica FUNDASP, que oferece bolsas de estudo aos alunos, a liberação do benefício só acontece após o pagamento de algumas mensalidades. Ou seja, sem condições de arcar com esse valor, Nicole teve que desistir do curso e acabou optando por estudar
odontologia na UNESP, onde conseguiu uma vaga.
As barreiras durante a graduação
Por outro lado, há aqueles que superam essas barreiras e conquistam uma bolsa. Estudantes beneficiados pelo ProUni ou pelo Fies ingressam na universidade por meio do Enem, mas enfrentam dificuldades de outra natureza.
Por outro lado, Ana, estudante de Medicina, contou que passou um ano estudando em um cursinho popular antes de conseguir uma bolsa no Poliedro. Após dois anos de dedicação, garantiu uma vaga na
melhor faculdade de Medicina do Brasil.
No entanto, desde o cursinho, já senti o peso das diferenças sociais. Ela relembra ouvir comentários como “Você tem dinheiro para a condução?” e “Tem comida em casa?”, reforçando estereótipos sobre alunos bolsistas.
Na universidade, o choque social se tornou ainda mais evidente. Ela ficou surpresa com a predominância de alunos brancos e de classe alta em sua turma, além do fato de que, entre suas amigas do Poliedro, vários frequentaram a faculdade com ela, enquanto os colegas do cursinho popular ainda seguiam aprendendo. Para Ana, essa experiência deu uma nova dimensão sobre como o acesso ao ensino superior no Brasil ainda é extremamente elitizado.
O ensino superior ainda é elitizado
Mesmo sendo pública, a USP segue com um acesso limitado para estudantes de aulas mais vulneráveis. Enquanto isso, as universidades particulares continuam impondo barreiras que dificultam a democratização do ensino. O ingresso na faculdade é um grande passo, mas para os bolsistas, a luta não termina na aprovação — ela apenas começa.